Oficina Brasil


Luz da injeção eletrônica acesa, cód. P0300 – Falha de combustão em múltiplos cilindros

Não era cabos, nem velas, nem bobina, nem os bicos! Um diagnóstico preciso depende não só do uso de equipamentos, mas da expertise do Reparador para interpretar os resultados obtidos dos testes realizados

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Por José Tenório da Silva Junior


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Neste artigo, você lerá um relato de um caso real diagnosticado e consertado na oficina JR AUTOMOTIVA. 

O sistema de injeção eletrônica chegou ao Brasil no ano de 1988 trazido pela Volkswagen no Gol GTI em 1988 – Sistema produzido pela Bosch batizado de LE-JETRONIC. 

A partir desse sistema as coisas por aqui começaram a mudar e os Reparadores, por sua vez, tiveram a necessidade de estudar para aprender a diagnosticar e consertar os carros equipados com o então sofisticado sistema de injeção eletrônica.  

Três décadas se passaram e ainda estamos aprendendo a desvendar os mistérios desses complexos sistemas de gerenciamento eletrônico. Veja como foi esse diagnóstico! 

Chegou à oficina um Ford Fiesta motor 1.6 8v ano 2010 com a luz de anomalia da injeção eletrônica acesa no painel, porém, não havia nenhuma irregularidade aparente no funcionamento do motor, tudo absolutamente perfeito! 

 

Nota: quando o sistema de injeção eletrônica detecta alguma anomalia no funcionamento do motor, ele faz acender a luz no painel para avisar sobre a intercorrência e, se for necessário, ele desativa a peça avariada e adota parâmetros próprios, substituindo o sensor ou atuador avariado, de modo que o carro não pare de funcionar. 

Nesse caso, o procedimento inicial é fazer a leitura dos códigos de falha com o scanner automotivo. 

O código apresentado pelo sistema foi: “falha não presente - Cód. P0300 Falha de combustão em múltiplos cilindros”

Detalhe: Por se tratar de um carro que estava com a manutenção em dia, revisado havia poucos meses, desconfiamos do combustível. Apagamos a falha do sistema e orientamos o cliente para que ele trocasse o combustível e observasse. E assim ele o fez! 

Quinze dias se passaram e o cliente volta com a bendita luz acesa e o mesmo código de falha. 

Partindo do pressuposto que falha de combustão, na maioria das vezes, é decorrente de defeito no sistema de ignição, iniciamos os testes checando as velas, cabos de velas e bobina – nenhum problema foi detectado!  

Verificamos os bicos e a bomba de combustível, quanto à vazão, estanqueidade e equalização, tudo perfeito! 

Voltamos para o sistema de ignição, desta vez utilizando o osciloscópio para analisar o sinal em cada cilindro. Foi quando observamos que havia diferença nas ondas geradas no cilindro 01 em relação aos demais cilindros.  

Por ser difícil de testar velas e cabos quanto à fuga de corrente, colocamos outros jogos novos, apenas para testar – nada mudou! Da mesma forma fizemos com a bobina e os cabos (trocamos apenas para não restar dúvidas), mas também não eram essas peças as causadoras do problema. Desta forma, confirmamos que o defeito não estava no sistema de ignição nem de alimentação de combustível. 

Seguindo uma ordem lógica, partimos para os testes de estanqueidade dos cilindros, utilizando um aparelho específico para esse fim. (foto 02)  

O teste consiste em aplicar uma pressão de ar comprimido na câmara de combustão através do orifício no cabeçote onde fica a vela de ignição.  

Passo a passo do teste: 

01 Retire todas as velas; 

02 Gire o motor até que o pistão do primeiro cilindro esteja na fase “compressão”, ou seja, pistão em PMS (ponto máximo superior) e as válvulas do mesmo cilindro, fechadas; 

03 instale a ferramenta no lugar da vela do primeiro cilindro; 

04 Aplique a pressão máxima e verifique se há estanqueidade no cilindro através dos manômetros da ferramenta .

Análise dos resultados: 

Se houver vazamento pela válvula de admissão, será possível ouvir o barulho do ar no corpo de borboleta. 

Se houver passagem de ar pela válvula de escapamento, é possível ouvir e sentir o ar saindo pelo cano de escapamento 

Se houver passagem excessiva de ar pelos anéis, é possível verificar pela vareta de óleo, respiro do motor ou pela tampa onde coloca-se o óleo. 

Se houver passagem de ar para o sistema de arrefecimento, será possível ver a água subindo até transbordar no reservatório. 

Para a nossa surpresa, ao aplicar pressão de ar comprimido no cilindro 01, o líquido de arrefecimento começou a transbordar pelo reservatório. 

Conclusão dos testes 

A passagem de ar para o sistema de arrefecimento indica que o líquido de arrefecimento também estava atingindo a câmara de combustão, o que comprometia de forma significativa a qualidade da combustão naquele cilindro. Por isso o módulo de injeção eletrônica registrou o código P0300 (Falha de combustão em múltiplos cilindros). 

O problema 

Como sabemos, para cada defeito existe uma causa. No caso, após retirar o cabeçote foi possível constatar que havia corrosão na junta do cabeçote. 

Veja na como estava o cabeçote. Observe que pedaços da junta ficaram grudados nele.

Possíveis causas de queima da junta do cabeçote 

A causa mais comum é a queima da junta por empenamento do cabeçote decorrente de um superaquecimento sofrido por alguma anomalia no sistema de arrefecimento, que pode ser: vazamento de água, defeito na bomba d’água, defeito na válvula termostática, inoperância da ventoinha, entupimento do radiador, etc.  

Existe também a corrosão do cabeçote, que permite a passagem da água por baixo da junta. 

A outra causa provável é o torque inadequado dos parafusos que fixam o cabeçote ao bloco. Esse é um ponto que merece muita atenção no momento da montagem de um cabeçote. Ainda neste artigo darei as dicas para o correto procedimento. 

Ao retirarmos o cabeçote, verificamos que o problema não se enquadrava em nenhuma dessas possíveis causas. Tratava-se de uma corrosão na junta do cabeçote, oriunda da inadequada manutenção do sistema de arrefecimento ou mesmo a falta dela. 

Dicas para a excelência na montagem do cabeçote 

1. O cabeçote deve estar retificado, superfície do bloco limpa e plana (foto 06); 

2. Utilize o kit de juntas do cabeçote de ótima qualidade, porque já vem com todas as juntas necessárias; 

3. Instale a junta do cabeçote e observe atentamente se todos os furos da junta estão certos com os furos do bloco (porque pode haver algum erro de aplicação ou posição da junta); (foto 07)

4. Gire a árvore de manivelas aproximadamente 15° para a esquerda, deixando os pistões um pouco abaixo do PMS para não correr o risco de empenar válvulas no momento da montagem; 

5. Aplique um jato de ar comprimido em todos os orifícios dos parafusos de fixação do cabeçote no bloco. Porque se houver algo dentro do furo, formará um calço e o parafuso terá um falso aperto; 

6. Utilize sempre parafusos NOVOS! Porque os parafusos, por serem elásticos, esticam no momento do torque. Logo, se forem reutilizados não irão suportar um novo aperto e/ou darão um falso aperto; 

7. Aplique um pequeno fio de graxa na parte inferior da cabeça do parafuso para reduzir o atrito no momento do aperto e uma fina película de óleo na rosca para diminuir o atrito no momento do aperto;

8. Siga à risca as recomendações de torque e sequência de aperto, que estão especificadas no verso das embalagens da junta do cabeçote dos melhores fabricantes; 

Aditivo para o sistema de arrefecimento 

Ainda tem pessoas que não sabem sobre a importância do aditivo no sistema de arrefecimento, portanto, não se importam em fazer a manutenção desse sistema, é aí que mora o perigo!  

Os carros atuais trabalham com temperatura perto dos 100°C. Como sabemos, o ponto de ebulição da água em condições de pressão atmosférica padrão é de 100°C e sob pressão sobe para aproximadamente 120°C.  

O aditivo à base de etileno glicol é de extrema importância para o motor porque ele eleva o ponto de ebulição da água cerca de 20%; não permite que o líquido de arrefecimento congele acima dos (-30°C) e, sobretudo, tem a função de inibir a corrosão do motor e de seus componentes. 

O aditivo concentrado deve ser diluído em água desmineralizada na proporção de 40% a 50%, dependendo da especificação do fabricante. 

Válvula termostática 

Essa é uma grande vilã nos casos de superaquecimento e também no caso contrário, quando o motor fica trabalhando frio demais. 

A válvula termostática tem a função de controlar a temperatura do motor para não esquentar além do normal nem esfriar abaixo do mínimo.  

Por ser uma peça com funcionamento mecânico, ao longo do tempo tende a perder a eficiência; podendo travar fechada, aberta ou no meio.  

Obs.: nos veículos da Ford que utilizam motor Zetec Rocan é comum apresentar defeito na válvula termostática e na carcaça em que ela fica alojada. Por serem de material “tipo” plástico, com o passar do tempo, ressecam e começam a se desmanchar. 

Atentos a essa fragilidade, alguns fabricantes começaram a produzir essa peça em alumínio, que tendem a resistir muito mais tempo. 

Problemas causados pelo mal funcionamento da válvula termostática 

Travar fechada – o líquido de arrefecimento não circula entre o motor e o radiador e, inevitavelmente o motor irá superaquecer. 

Travar aberta – quando o carro estiver em velocidade constante e o vento estiver frio, a temperatura do motor tende a cair drasticamente. 

Travar parcialmente aberta – nesse caso, quando o motor exigir MÁXIMA circulação de água para arrefecer, a válvula, estando parcialmente aberta, não permitirá. 

Em outra situação, quando o motor precisar manter a temperatura mínima de aprox. 85°C e a válvula estiver parcialmente fechada, a temperatura irá cair drasticamente. 

Consequências do mal funcionamento da válvula termostática 

Se a válvula travar fechada o motor certamente irá superaquecer e sofrer danos como: estourar mangueiras, tubos, tampa do reservatório, bomba d’água, queimar junta de cabeçote, trincar cabeçote, fundir os anéis nos pistões e até fundir as bronzinas no eixo virabrequim. 

Se a válvula travar aberta o motor irá trabalhar frio. Nessas condições haverá o aumento no consumo de combustível, aumento dos índices de poluentes e diminuição da vida útil do motor. 

Manutenção preventiva 

A prática da manutenção preventiva tornou-se imprescindível para os carros atuais. Isso porque se o carro quebrar o custo de manutenção corretiva será muito maior e o tempo gasto para reparar também será maior.  

Vale ainda ressaltar as questões sociais e ambientais envolvidas. Vou explicar: 

Quando um carro quebra numa via movimentada, o trânsito daquela via irá aumentar de forma exponencial, podendo prejudicar as pessoas que ficarão presas naquele engarrafamento. Imagine uma mulher em trabalho de parto não conseguisse chegar ao hospital por causa da falta de manutenção de um carro. Da mesma forma, um preposto de uma empresa que estava indo defender a empresa numa audiência trabalhista, não conseguiu chegar a tempo – o processo fui julgado à revelia dando causa ganha ao reclamante.  

Quanto ao meio ambiente, se um carro está sem as manutenções necessárias, ele pode vazar líquidos que irão agredir o solo atingindo o lençol freático e contaminar os rios; pode também expelir fumaça que polui o ar que respiramos e atinge violentamente a camada de ozônio. As consequências disso, nem vou citar porque todos estamos cansados de ouvir e ler nos noticiários. 

Esses exemplos são para ilustrar o tamanho da responsabilidade que uma pessoa tem em relação à manutenção necessária e inevitável do seu carro.  

Como fazer a manutenção preventiva do sistema de arrefecimento 

Algumas peças que compõem o sistema de arrefecimento podem e devem serem substituídas preventivamente! São elas: bomba d’água, válvula termostática, tampa do reservatório, reservatório de água e mangueiras. 

O líquido de arrefecimento é de suma importância para o ótimo funcionamento do sistema e até para aumentar a vida útil das peças do motor. 

A troca do líquido de arrefecimento deve ser realizada por profissionais qualificados porque envolve questões e procedimentos técnicos. 

Procedimento para a troca do líquido de arrefecimento: 

Retirar todo o líquido do sistema, efetuar uma boa limpeza e finalizar colocando a mistura de ADITIVO à base de etileno glicol (40% a 50%) e o restante água desmineralizada.  

Importante: deve-se misturar os líquidos antes de colocar no motor!  

Considerações finais 

Com base no caso reatado, quero chamar a atenção para três pontos importantes:  

01 - A importância de um diagnóstico minucioso e preciso. Nem sempre o problema está nas coisas mais óbvias e corriqueiras. “Passar scanner”, não significa diagnosticar o problema! 

02 - A real necessidade da prática da manutenção preventiva no sistema de arrefecimento para evitar surpresas desagradáveis e despesas desnecessárias. 

03 – A importância da utilização de peças de excelente qualidade para a garantia da excelência do trabalho executado, evitando retrabalho e garantindo a segurança do proprietário do veículo. 

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