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Volkswagen Gol 1000, um gol feito para manter o modelo campeão na tabela dos mais vendidos

Aproveitando-se do incentivo fiscal do governo, a Volks lançou o Gol 1000, modelo que tinha como público alvo os jovens e frotistas

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Por Anderson Nunes


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Uma simples redução de 40% para 20% na alíquota do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), foi o suficiente para viabilizar o lançamento no Brasil do Uno Mille, um carro popular como há muito tempo os consumidores locais não tinham acesso. Quarta colocada na época entre as montadoras nacionais, a Fiat pulou na frente das demais ao colocar no mercado em agosto de 1990 o seu modelo equipado com o motor de 1 litro. Tal rapidez se deu pelo fato da montadora de Betim já ter na prateleira o motor de 994 cm³ pronto para ser lançado e que antes era somente exportado para a Europa.

Com o Uno Mille, a Fiat tinha boas oportunidades de ocupar o vazio deixado pelo Volkswagen Fusca no segmento de carros de entrada, e ao mesmo tempo oferecer aos seus clientes um veículo moderno, prático e racional. Após a sua apresentação, em apenas cinco meses, a participação do Uno “mil” superou índices até então registrados no mercado em lançamentos anteriores. Em 1990, foram comercializados um total de 60.725 modelos Uno, dos quais 20.646 da versão Mille, resultado que fez o compacto da Fiat alcançar o segundo lugar em entre os carros mais vendidos do país naquele ano. Já participação da Fiat saltou de 12,1% em 1989, para 15,3% em 1990.

Os expressivos resultados da empresa foram facilmente identificados pelos meios de comunicação e a opinião dos proprietários que puderam enfim adquirir um veículo 0km, sonho distante em um país que atravessou a década de 1980 com sucessivos planos econômicos e achatamento salarial. A concorrência por sua vez, foi obrigada a se apressar para preparar uma contraofensiva, com o objetivo de neutralizar ou participar do “Efeito Mille”, mesmo que esses oponentes tenham se mostrado céticos a princípio a um produto com um motor tão pequeno, além de um acabamento simples.

Assim, só quase dois anos depois de o Uno Mille chegar as ruas com sucesso, na esteira foram lançados o Chevette Júnior, da GM, e o Gol 1000, da Volkswagen. Entretanto diferente do compacto de Betim, os modelos da concorrência já demonstravam uma concepção de projetos já desatualizada. O Chevette era um sedã compacto de tração traseira, o Gol por sua vez, um hatch de motor longitudinal. Isso não foi impeditivo para que eles pudessem brigar por uma fatia do bolo no segmento dos veículos populares.

BALÃO DE ENSAIO

Para correr contra o relógio, a Volkswagen do Brasil precisou criar um meio termo para não ficar de fora do filão do carro popular. Sem um motor de 1 litro pronto para ser instalado no Gol, o fabricante decidiu produzir em pequena escala uma a partir de julho de 1992 uma versão simplificada do Gol CL 1600 com o acabamento e soluções despojadas que seriam aplicadas ao futuro Gol 1000. Batizado de Especial, o modelo tinha seu valor reduzido em quase 5%. A meta era fabricar 10 mil unidades da série Especial até meados de setembro, mês que a Volks havia planejado para lançar o Gol 1,0 litro.

Para ter o custo final do veículo menor a Volkswagen abriu mão de alguns equipamentos. Externamente o Gol 1,6 Especial trazia rodas mais estreitas (de 4,5 polegadas ao invés de 5 polegadas), calçados com pneus mais finos da série 80 (155\80), no lugar dos 175/70. Também foram eliminados os borrachões laterais, o quebra-vento passou a ser fixo, além da retirada do comando para regular o retrovisor, em seu lugar o condutor tinha que ajustá-los com as digitais, ou seja, com as pontas dos dedos.

As lâmpadas dos faróis passaram a ser convencionais e não halógenas, som da buzina não era mais dupla, mas simples e a vigia traseira perdeu desembaçador. Já no interior os bancos ganharam revestimentos em tecido mais simples, as laterais de portas receberam forração em vinil, o acendedor de cigarros foi abolido e a pré-instalação para som com quatro alto-falantes deixou de ser oferecida. O motorista teria agora à disposição um volante em plástico injetado, não mais espumado. Painel de instrumentos perdeu o hodômetro parcial e o termômetro para medir a temperatura do líquido de arrefecimento, em seu lugar foi instalada uma luz-espia.

GOL NA BRIGA DOS 1000

Após dois anos da Fiat lançar o seu bem-sucedido Uno Mille, além do surgimento do Chevette Júnior, da GM, a Volkswagen, diante de tantas evidências, acabou rendendo-se ao promissor mercado de veículos populares e apresentou o Gol 1000. O carro nasceu com um conjunto mecânico elogiável, graças à dupla motor/câmbio. Batizado de AE 1000, o propulsor foi criado a partir do motor AE 1600. Para chegar a tal deslocamento volumétrico, os engenheiros da Volkswagen tiveram que criar novas partes mecânicas.

Para chegar aos 997 cm³, o segredo foi a redução do diâmetro dos cilindros (70,3 mm) e do curso do virabrequim (64,2 mm), para compensar essa diminuição, as bielas receberam 10 mm a mais na altura, reduzindo as vibrações do motor. Os dutos do coletor de admissão foram igualmente reduzidos, o que permitiu um fluxo mais rápido da mistura ar-combustível. A taxa de compressão era de 9,0:1. As válvulas de admissão também eram menores, enquanto as de escape permaneceram iguais. Tudo isso garantiu maior turbulência na câmara de combustão e consequentemente uma melhor queima. Outra modificação foi feita no eixo de comando, com menor duração de abertura das válvulas que otimizava alimentação do motor. E por fim, o carburador de corpo duplo, único da categoria naquele momento (Mille e Júnior tinham carburador de corpo simples), era o mesmo do modelo CL 1,6 litro, recalibrado apenas nos giclês e difusores.

A receita permitiu o motor desenvolver 50 cv a 5.800 rpm e torque de 7,3 m.kgf a 3.500 rpm, o que deixava em uma ampla faixa de utilização, já que o torque surgia em baixas rotações e a potência em alta. Assim o carro tinha torque suficiente para ser guiado de uma forma econômica e potência para desenvolver toda sua velocidade quando necessário. Apesar de já ser um projeto antigo, pois contava com comando de válvulas no bloco, diminuto motor aceitava ir até os 6.000 rpm.

Acoplado ao motor estava o câmbio manual de cinco marchas todo refeito, de relações curtas. Também era inédita a relação do diferencial bem reduzido, com 4,78:1, calculado para se adequar melhor às novas características do motor. O escalonamento da transmissão era do tipo 4+E, que permitia alcançar velocidade máxima em quarta marcha ou dispor da quinta marcha para economia, que melhorava o consumo e conforto.

O Gol 1000 pesava apenas 890 quilos, apesar da fraca aerodinâmica, Cx de 0,45 o modelo conseguiu atingir bons índices de desempenho. Nos testes realizados pela revista Oficina Mecânica na época, o Gol 1000 atingiu velocidade máxima de 139 km/h e fez de 0 a 100 km/h em 18,1 segundos, enquanto Mille e Júnior praticamente empataram, com 21,6 e 21,7 segundos respectivamente. Já nas retomadas de velocidade, como de 40 a 100 km/h, em quinta macha, o Gol fez a prova em 28,4 segundos, já o Mille fez a mesma prova em 34,3 segundos e o Júnior em 39,4 segundos.

Quanto ao consumo o Gol 1,0 litro a 100 km/h constante fez 13,6 km/litro de gasolina, resultado pouco abaixo do Uno Mille que fez em 14,4 km/litro e superior ao do Chevette Júnior que atingiu a marca de 12,1 km/litro. Já na autonomia, apesar do tanque de combustível comportar 47 litros de capacidade, o Gol podia atingir em teoria 640 km.

SOMENTE O NECESSÁRIO

Externamente, o Gol 1000 seguiu a receita da simplificação aplicada no então Gol 1600 Especial. Não havia retrovisor do lado direito, item opcional. As rodas de aço de 4,5 polegadas ganharam desenho exclusivo e eram calçadas com estreitos pneus na medida 145/13. Para dar um visual distinto dos demais Gols, havia um fino friso de borracha que protegia a lateral. O novo logotipo “Gol 1000”, era tão somente um adesivo colorido, que buscava identificação com os jovens. Internamente os bancos receberam um novo revestimento de tecido navalhado de cor clara. Não havia mais o console central e tão pouco o acendedor de cigarros.

Painel de instrumentos era bem simples; faltava o termômetro de temperatura do liquido de arrefecimento, substituído por uma luz de aviso. Também não havia hodômetro parcial. O porta-malas recebia um fino carpete, entretanto o estepe e as torres de suspensão tinham as laterais expostas, sem nenhuma cobertura. Os únicos “luxos” mantidos foram o lavador elétrico e o temporizador do limpador de para-brisa, além da possibilidade de se rebater os bancos e encostos, para poder ampliar o pequeno porta-malas de 146 litros.

Embora o Gol 1000 não tenha sido responsável pela liderança de mercado do modelo –feito conquistado muito antes ao seu lançamento, mais precisamente em 1987, mas foi graças à versão popular e à sua rápida aceitação pelo público que o Gol manteve o primeiro lugar em vendas. Além de ser o primeiro veículo 0km de muitas pessoas, que antes só tinham acesso aos carros usados, o Gol 1000 também agradou muito os frotistas, já que o modelo era conhecido pela robustez, além da manutenção barata.

As vendas superaram as próprias expectativas da Volkswagen, só para se ter uma ideia da aceitação, em outubro de 1994, das 18 mil unidades do Gol que foram comercializadas, quase 12 mil eram da versão 1000. Sabendo desse bom resultado, mesmo com a chegada do Gol Geração 2 na segunda metade daquele ano, a Volks manteve o Gol “quadrado” em produção. As poucas melhorias efetuadas foram o acréscimo ar-quente e do sistema de limpador, lavador e desembaçador do vidro traseiro.

O Gol 1000 de primeira geração permaneceu em linha até o ano de 1996, foi quando iniciaram-se as vendas do Gol 1000 “bolinha”, primeiramente na versão Plus, mais luxuosa. A novidade além da nova carroceria era a inclusão do sistema de injeção eletrônica monoponto no motor AE. Internamente o banco traseiro passou a ser bipartido, os vidros eram verdes, sendo que os laterais traseiros agora eram basculantes.

Já o sucessor “espiritual” do Gol 1000 “quadrado” foi batizado simplesmente de Gol i, vinha de série com dois retrovisores, para-choques na cor preta, rodas de aço de 13 pol com pneus 155/80 e não havia frisos nas laterais. O interior era franciscano, o painel de instrumentos continua somente o básico, como velocímetro, nível de combustível e temperatura do motor, volante espumado de dois raios, laterais de portas em plásticos e ventilador de três velocidades.

GOL ORIGINAL

Embora tenha sido produzido em grande quantidade, encontrar um Volkswagen Gol 1000 “quadrado” em seu estado original não é uma tarefa tão fácil. Como é comum em todo veículo, o Gol 1000 também enfrentou a famosa desvalorização de preço e muitos carros foram adquiridos a valores convidativos e colocados para “labuta” diária, outros modelos tiveram a mecânica alterada para uma mais forte para serem utilizados como carros de arrancadas.

Neste momento o Gol 1000 de primeira geração começa a ganhar atenção de prováveis colecionadores, logo o seu valor mercado ainda é um atrativo para quem quer ter seu primeiro veículo de coleção. Uma busca rápida na internet ainda é possível encontrar modelos no seu estado “bruto”, ou seja, com um bom índice de originalidade. É o caso do Volkswagen Gol 1000, ano 1994 que ilustra a nossa reportagem.

O modelo pertence ao comerciante de veículos Raul Medeiros Guerra, 26 anos, da cidade de Jacareí (SP). A paixão por carros vem desde criança, já que Raul acompanha a rotina da loja de veículos que é de propriedade de seu pai. “Cresci dentro de uma loja de carros, uma vez que meu pai é proprietário de um estabelecimento desde 1980, e desde então acompanho o dia a dia que possibilitou conhecer cada marca, modelo, suas histórias e desse modo, eu fui aprendendo as especificações de cada um e também começando a conhecer os antigos, que de vez em quando apareciam na loja”, relatou.

Os antigos especificamente, o empresário começou admirar recentemente, além de ter preferência pelos modelos dos anos de 1990, por remeterem a sua infância. O Gol 1000 da nossa reportagem foi adquirido no começo desse ano, de um cliente que estava tentando vendê-lo para comprar um carro novo na loja. Sem ver o carro, Raul não demonstrou o menor interesse por ele, mas foi quando acompanhou o cliente até o estacionamento, viu que valia a pena pegá-lo na troca. “O Golzinho de carroceria quadrada, estava conservado, sem modificações e eu vi que valeria a pena investir um dinheiro para deixá-lo em ordem, fiz uma proposta e fechamos negócio”, disse o comerciante.

O modelo passou por uma revisão mecânica completa, também foi substituído um par de lanternas quebradas, além de receber um banho de tinta e por fim uma bela renovação na tapeçaria, com troca de espumas de assento, encosto e tecido, mantendo padrão original. Para deixar com o visual correto de fábrica também foram trocados os pneus 165/70 pelos pequenos 145/80R13 encontrados na internet.

Para o empresário, as qualidades do Gol 1000 são a baixa manutenção, a robustez do conjunto mecânico aliado ao reduzido consumo de combustível. Por outro lado o ponto fraco é a simplicidade em excesso, a falta de itens básicos de conforto e segurança, além de espaço reduzido, o que faz do carro um modelo de uso bem restrito.

O Gol 1000 está à venda, já que Raul Guerra começou a restaurar uma picape Chevrolet D20, a qual pretende ficar por muito tempo. “Infelizmente vou precisar optar por manter apenas um antigo e a caminhonete oferece mais conforto, já que conta com a direção hidráulica e ar-condicionado, além do grande espaço interno, contudo sentirei falta desse icônico Golzinho 1000 que passou por aqui”, diz sorridente.

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